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Então, vamos usar de sinceridade um com o outro? Com exceção dos fãs do Angra - que idolatram a banda de modo incondicional -, você seria capaz de apostar que um cara como KIKO LOUREIRO bem estabelecido como um dos grandes guitarristas do Brasil, famoso (aqui, na Europa e no Japão), boa-pinta (o cara faz sucesso com a mulherada) e integrante de uma banda com sólida carreira, poderia apresentar uma certa inquietude na alma e uma ponta de insatisfação musical que o impelisse a abraçar uma jornada surpreendente?
Talvez se toda esta situação fosse o atual cenário da sua vida, você sentisse a livre brisa da acomodação, aquele mesmo vento suave e traiçoeiro que faz com que muito rockstar competente empurre a sua carreira com a barriga gorda da auto-indulgência. Minha própria impressão a respeito dos rumos musicais do Angra - e conseqüentemente do próprio Kiko - trazia uma imagem um bocado desanimada. Por isso, a primeira reação que qualquer pessoa teve,tem e terá ao ouvir o que Kiko andou tramando nos últimos meses - tanto em parceria com seus companheiros de Angra quanto com seus cúmplices em sua nova empreitada-solo - foi, é e será de uma inevitável surpresa.Uma audição atenta do novo disco do Angra, Aurora Consurgens, detecta uma inequívoca e, por vezes, intempestiva autocrítica em relação ao som que o grupo vinha fazendo até então. Mas a coisa adquire ares de incredulidade durante a audição do mais recente trabalho-solo de Kiko, Universo Inverso.
Não vou me estender sobre isso porque Nicolas Brandão mostra o que realmente acontece em cada um destes discos (vide box nesta matéria). O que me interessa aqui é o Kiko que ninguém conhece. O Kiko livre das respostas-padrão que toda revista de heavy metal gosta de publicar e que todo leitor ‘bronco’ gosta de ler. O Kiko livre para abrir a sua alma e se mostrar por inteiro, com todas as suas dualidades, com todas as imagens de seu próprio espelho espiritual.
Aliás, o conceito de “universo inverso” é tão contagiante, tão saboroso, que até mesmo as maravilhosas fotos que ilustram esta edição oferecem uma “inversão” em relação àquilo que eu e Kiko conversamos, sentados um de frente para o outro, numa tarde nublada regada a café e água. Se as fotos mostram Kiko como jamais alguém mostrou, o papo que você vai ler a seguir o apresentará não ao “guitarrista Kiko Loureiro”, mas a alguém com questões artísticas muito mais sérias do que o heavy metal precisa…
Em Universo Inverso, a impressão que dá é que não é o Kiko que todo mundo conhece que está tocando ali, mas um ‘outro’ guitarrista. Isto foi o resultado de um anseio em marcar uma divisão clara e definida em sua personalidade musical?
Você não pode categorizar tanto a música. Não é uma ‘mudança’ - até tento evitar essa palavra -, mas é algo que sempre esteve comigo. O título mesmo diz que é um outro universo, um outro lado, um outro universo musical em que eu vivo também. Existe o universo musical heavy metal, com bandas cujos integrantes usam botas de matar pintinhos (risos), jaqueta de couro, braceletes... Acabei de voltar da Europa e dei muitas entrevistas para esse mercado, que é ainda muito intenso naquele continente. O próprio jornalista já chega todo paramentado, como se estivesse prestes a subir no palco...
Como é que é?
É isso mesmo! E o cara ainda veio perguntando sobre as coisas mais heavy metal do disco... Na Alemanha, qualquer ‘viagem’ mais brasileira que rola em nossas músicas é considerada como algo desnecessário. O que eles querem é peso, o tempo inteiro. Voltando à sua pergunta, este é um universo que vivencio bem de perto...
Aqueles festivais de heavy metal ao ar livre, com todo mundo enchendo a cara de cerveja...
Com todas aquelas bandas com quem dividimos tour bus, com integrantes que já acordam de bota (risos). Parece brincadeira, o cara já acorda com as calças de couro, tomando café vestido desse jeito, um troço meio circense. Só que isso é uma realidade para eles, os caras vivem isso.
Quer dizer então que Universo Inverso não retrata uma mudança...
Não, de jeito nenhum! Sempre tive isso comigo, são as pitadas daquilo que eu já gostava de colocar nos trabalhos antigos do Angra. Mesmo as músicas mais pesadas surgem no piano. Se você tirar toda aquela roupagem pesada, tocar as músicas em um violãozinho, vai perceber que tem coisas da música brasileira, algo que já está na gente. Você mesmo pode até querer negar, mas se você fosse tocar qualquer coisa, provavelmente teria alguma coisa da sonoridade brasileira no resultado final, porque isso é uma coisa inerente.Quando você pára na frente do mar e tudo aquilo te relaxa porque lembra o ambiente na barriga da sua mãe, a mesma coisa acontece com a música, existe um ‘som brasileiro’ em você que tem a ver com sua vivência. Mesmo o jeito como você se veste, seu comportamento... No Japão ninguém se veste assim! (risos)
Não dá para esconder nossas raízes...
Você pode até acrescentar uma estética heavy metal, mas ainda assim haverá uma mistura de sonoridades. A tristeza presente nas músicas latinas em geral, mesmo em tonalidades maiores, é inevitável. O próprio choro, como diz o nome, ou o samba-enredo, que mesmo com aquela puta alegria, sempre cai para um modo menor... Harmonicamente, é necessário experimentar isso, porque a harmonia do rock é muito simples, o negócio é descer a mão, ter energia, fazer uns riffs pesados, uns solos técnicos. Agora, a coisa da ‘harmona’, de fazer um acorde torto, isso é outra história...
Em Universo Inverso, este seria o papel do pianista cubano Yaniel Matos: fazendo ‘camas harmônicas’ que vão além do rock.
Sim. As harmonias que ele fez traçaram um caminho para a evolução da música. Você pode escolher entre misturar estilos ou seguir plenamente o caminho evolutivo da harmonia, mas o rock simplifica o princípio harmônico.
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